Artigos e Notícias

Impactos da Tecnologia nas Relações de Consumo

jan312013

Um dos aspectos mais impactantes para o mundo empresarial, decorrente do crescimento da informatização no Brasil, certamente está relacionado às mudanças nas relações de consumo.

De posse de informações substanciosas a respeito de produtos e serviços, o consumidor passou a ser muito mais exigente nos quesitos preço, qualidade e rapidez na entrega. Os sites que até hoje conseguem manter altos índices de vendas são aqueles que cumprem criteriosamente as novas exigências do consumidor moderno, sobretudo nos fatores rapidez na entrega e variedade de formas de pagamento.

Ocorre que a dificuldade na produção de provas e a falsa ideia de que “na Web não haveria leis” continuam produzindo considerável receio por parte do consumidor brasileiro, que ainda tem fundamentadas razões para não comprar frequentemente através da Internet.

Demi Getschko, membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI entende que atualmente ainda vivenciamos um período de “desilusão com a Internet”, causada, de certa forma, por um “conjunto de expectativas irreais ou extemporâneas criadas em torno da Rede (…)”.

E, realmente, há algumas décadas, quando houve o “descobrimento da Internet no Brasil”, falsas ideias e expectativas foram criadas, em especial no que se refere à troca absolutamente segura de dados. Um número significativo de novos internautas sinceramente acreditava (e difundia o sofisma) de que há anonimato na Rede e que o tráfego de informações é sigiloso.

Ora, hoje – após debates inúmeros do tema, sabemos que o sigilo e a segurança das informações na Rede são exceções que devem ser buscadas através da implementação de ferramentas tecnológicas próprias (como a certificação digital vista no item anterior, por exemplo).

A seguir, passaremos a tratar dos principais problemas oriundos das relações eletrônicas de consumo e a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor para solucionar grande deles:

A) Entrega: um dos maiores receios dos consumidores relativamente às compras através da Web refere-se aos eventuais problemas com a entrega dos produtos. Para estes casos, as decisões dos tribunais têm sido no mesmo sentido: se o fornecedor não cumprir o prazo acordado, principalmente se houver danos ao consumidor em decorrência do atraso, surge o dever de indenizar. Como exemplo, mencionamos:

Indenizatória. Dano moral. Aquisição através da Internet de bicicleta para presentear à esposa na noite de Natal. Negócio jurídico que importava na entrega do produto até a respectiva data. Frustração. Atraso. Entrega ocorrida meses depois da celebração da transação. Procedência parcial do pedido. Devolução das parcelas pagas. Dano moral no equivalente a 50 (cinqüenta) vezes o valor do produto. desorganização da empresa ré. Dever de indenizar. Incabível a majoração da verba indenizatória sob pena de banalizar e desprestigiar a figura do dano moral manutenção da sentença. Conhecimento e improvimento do principal e adesivo. (TJRJ, apelação cível 2003.001.01956, registrado em 22/09/2003.)

Importante destacar que referida indenização poderá ser pleiteada pelo consumidor através de propositura de ação perante os Juizados Especiais Cíveis, num procedimento mais célere no qual haverá a possibilidade de concessão do benefício de inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, CDC) e da facilidade de distribuição da ação no foro de seu domicílio (art. 101, I, CDC).

Na verdade, tratamos até aqui de hipótese de empresário idôneo que, por alguma razão, não conseguiu cumprir a proposta. É evidente que nos casos de quadrilhas ou pessoas que oferecem produtos na Web na intenção de prática de crime (estelionato, furto, etc), além da responsabilização civil, poderá também ocorrer a imputação da devida responsabilidade penal, passível de averiguação policial e propositura de ação própria pelo Ministério Público, se for o caso.

Outro ponto a ser observado pelo empresário que oferece produtos ou serviços pela Rede é que será considerada nula a cláusula contratual que venha a eximir o fornecedor de suas responsabilidades legais, ou as transfiram a terceiros, conforme preceituam os incisos I e III do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor (…);
II – (…);
III – transfiram responsabilidades a terceiros.

Portanto, a comum alegação de certos fornecedores de que a demora na entrega de determinado produto se deu por responsabilidade de empresa transportadora não excluirá sua responsabilidade direta perante o consumidor.

O mesmo entendimento se aplica aos chamados sites de leilão: por enquanto, há consideráveis julgados encontrados na Jurisprudência pátria que registram o entendimento de que, mesmo agindo como intermediadores, referidos sites respondem perante o consumidor pelos eventuais danos sofridos por este. Transcrevemos:

Compra e venda pela Internet. Mercadoria não entregue. Dano material. Fraude quando à venda do produto. Ilegitimidade afastada. Responsabilidade do Intermediário por checar os dados do fornecedor e fazê-lo, no caso concreto, de forma incorreta. Embora atue a demandada como mera intermediária de negócios, possibilitando aproximação entre compradores e vendedores que ali anunciam seus produtos, no caso concreto, se verifica culpa da intermediária por certificar incorretamente a regularidade de dados cadastrais do anunciante. (Recurso inominado 71000686469/2004, Segunda Turma Recursal Cível da Comarca de Porto Alegre)

B) Publicidade: a publicidade veiculada pela Web deve obedecer aos mesmos princípios estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor para a publicidade realizada em outros meios comuns de comunicação. Os incisos II e IV do art. 6º do CDC, em resumo, preconizam que o consumidor terá direito à informações adequadas/claras e proteção contra a publicidade enganosa ou abusiva. Por enganosa, entende-se aquela total ou parcialmente falsa, ainda que por omissão (§1º do art. 37, CDC).

Abusiva, conforme preceito registrado no §2º do artigo 37 do CDC é a publicidade:

Discriminatória, que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

Outrossim, como nos expõe Antônio Hermam de Vasconcellos e Benjamim, não basta que a publicidade abstenha-se de ser enganosa ou abusiva: ela precisa ser clara e cumprir sua função de informar plenamente o consumidor a respeito das características do produto ou serviço comercializado. Explica Benjamim:

Para a proteção efetiva do consumidor não é suficiente o mero controle da enganosidade e abusividade da informação. Faz-se necessário que o fornecedor cumpra seu dever de informação positiva. Toda a reforma do sistema jurídico nessa matéria, em especial no que se refere à publicidade, relaciona-se com o reconhecimento de que o consumidor tem direito a uma informação completa e exata sobre os produtos e serviços que deseja adquirir.

A mesma atenção deve ter o empresário que oferece produtos pela Internet: as ofertas devem ser claras e conter todas as informações necessárias para a decisão pela compra ou não dos produtos e serviços oferecidos através do ambiente virtual.

Outro ponto a ser abordado refere-se aos incômodos abusos no envio, por e-mail, de mensagens não solicitadas, também conhecidas como spam.

Referidas mensagens constituem-se em verdadeiros aborrecimentos para os internautas, sobrecarregando caixas-postais, sem falar na aterrorizante possibilidade de propagação de vírus eletrônicos, definidos pelo juiz Ricardo Alcântara Pereira da seguinte forma: “são programas eletrônicos que destroem, de uma forma ou de outra, outros programas”.

Além dos prejuízos causados aos consumidores, importa ressaltar que este mau procedimento comercial atinge, ademais, as empresas provedoras de serviços de conexão à Internet, que se vêem obrigadas a aumentar a capacidade tecnológica e investir em ferramentas cada vez mais modernas, atendendo ao enorme fluxo destas mensagens que serão provavelmente dispensadas de forma sumária.

Não existe ainda em nosso ordenamento jurídico disposição legal específica para regular devidamente o envio de mensagens publicitárias. Entretanto, estão em discussão diversos projetos de lei sobre o tema, entre os quais podemos citar: PL 3872/04, PL 3731/04 e PL 7093/02.

Todavia, por hora, ausência de aprovação de uma das propostas apresentadas não impede a responsabilização do fornecedor eis que, havendo dano ou ameaça de dano ao consumidor, será possível invocar-se a proteção jurisdicional, uma vez que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV da Constituição Federal).

Patrícia Peck resume a questão da seguinte forma:

Portanto, para o Direito Digital, deve haver a prática de uma publicidade responsável, com o compromisso de consultar o consumidor antes de simplesmente enviar as mensagens publicitárias. Isto é uma mudança principalmente comportamental (…)

C) Cadastros: alguns fornecedores, sem o aviso prévio do consumidor, procedem ao cadastro de dados e informações dos internautas quando estes navegam ou efetuam compras na Web. Em decorrência da existência do IP (Internet Protocol) – que é uma espécie de RG de cada usuário outorgado pelo provedor que o conecta à Grande Rede, foram desenvolvidos inúmeros programas capazes de captar informações dos consumidores enquanto estes navegam pela Web.

Como ensinam Henrique de Faria Martins e Renata Streit, dentre estes programas, destacam-se os cookies, que são:

Arquivos de texto que são gravados no disco rígido do usuário pelo computador visitado, ou seja, pelo Web site visitado, com o objetivo de identificar o usuário que voltasse novamente àquele, ajudando na personalização da página Web e na fidelização de usuário.

Assim, os cookies enviados ao computador de um determinado consumidor serão capazes de armazenar informações, por exemplo, sobre os sites mais visitados por ele, formas de pagamento, hábitos de consumo, etc. Há programas expressivamente mais perigosos que captam e registram as senhas digitadas na Internet, facilitando sobremaneira a prática de crimes.

Não há em nosso sistema jurídico pátrio dispositivo legal específico para regular o uso dos cookies por fornecedores, mas é evidente que tal prática constitui afronta à privacidade do consumidor, violando diretamente o § 2º do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor, que prescreve:

A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.

Logo, facilmente se pode notar que o envio de cookies – verdadeiras “fichas virtuais”, ao computador de um consumidor, sem que este esteja ciente de tal prática, implica em desobediência ao dispositivo acima transcrito. Considerando as grandes dificuldades para que o consumidor consiga identificar a utilização de cookies por determinados sites, entendemos ser extremamente importante que haja regulamentação legal do uso dos cookies.

Neste mesmo sentido escreve Sérgio Marques Gonçalves: “A proteção do consumidor e internauta, outra vez, somente poderá advir da esfera jurídica, através da regulamentação do uso dos cookies.”

Finalmente, cabe lembrar que o fornecedor não pode condicionar a venda de determinado produto ao preenchimento de cadastro com dados pessoais do consumidor. O juiz Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva adverte:

São excessivas as cláusulas que exigem do consumidor o fornecimento de dados de sua vida privada, além do necessário para o resguardo do crédito do fornecedor, especialmente quando demandam informação concernentes ao perfil do usuário, como seus gostos, atividades, hobbies etc.

D) Segurança: mais do que fornecer produtos e serviços com qualidade pela Rede, o empresário tem o dever tomar todas as providências razoáveis para que terceiros não tenham acesso às informações relacionadas ao consumidor.

Referida obrigação decorre dos riscos do negócio: se o fornecedor está lucrando com as vendas através da Internet, deve arcar com os prejuízos advindos a seus clientes em função da compra de produtos ou serviços efetuada. Neste sentido:

Ao optar por ofertar sistema supostamente seguro de compra e venda pela ‘Internet’, prestando serviços considerados de risco, no intuito de diminuir as despesas operacionais e aumentar seus lucros, deve a prestadora de serviços assumir os riscos que dela decorrem – Teoria do Risco da Atividade Negocial – art. 927, parágrafo único c/c 186, do CCB/02. A responsabilidade, nesse caso, é objetiva, pelos danos que causar a prestadora de serviços ao consumidor, independente da existência ou não de culpa, na forma dos arts. 14 e 22 do CDC, bastando para tanto a existência de nexo de causalidade entre o evidente defeito do serviço prestado e o dano suportado. (ACJ/DF 2005.01.1.078241-4, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do TJ/ DF)

A obrigação de oferecer um ambiente seguro aos consumidores é entendimento unânime tanto na Doutrina, como na Jurisprudência. Contudo, quando se trata de fornecimento de serviços bancários, a responsabilidade do consumidor em zelar para que a navegação seja segura também é reconhecida.

Como se trata de um serviço reconhecidamente arriscado, considerando as inovações tecnológicas e desenvolvimento de programas cada vez mais sofisticados por estelionatários e fraudadores, deve o consumidor, no que depender dele, tomar todos os cuidados necessários para que a relação seja realmente segura.

As instituições bancárias, via de regra, possuem políticas de segurança para a Internet, através das quais são os clientes informados de todos os passos que devem ser seguidos para que o procedimento seja confiável (composição de senhas, advertência quanto a acessos de computadores públicos, etc.). Deixando de observar tais orientações e havendo dano ao consumidor, poderá ser levantada pelo fornecedor a exceção à responsabilização, prevista no inciso II do parágrafo 3º do artigo 14 do CDC: culpa exclusiva do consumidor (por negligência, imprudência, etc).

Neste sentido declinamos decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

Reparação de Danos. Saque indevido em conta corrente. Fraude eletrônica. Internet. Não observância das recomendações para utilização dos serviços. Culpa exclusiva do consumidor. Afastamento do dever de indenizar.” (Apelação Cível 2004.01.1.014499-5)

Por outro lado, observando o correntista todas as providências apontadas pelo banco e, mesmo assim, ocorrendo o dano, poderá o fornecedor de serviços arcar com os prejuízos, pela aplicação da já conhecida teoria do risco da atividade.

. . . . . . . . .

Obviamente, a tecnologia pode ter inúmeros outros impactos nas relações de consumo que não os aqui apontados. Vale dizer, entretanto, que as situações singelamente enumeradas nesse artigo têm o único objetivo de destacar os problemas mais comuns, no intuito também de alertar consumidores e fornecedores para evitar prejuízos, contribuindo para o fortalecimento de relações eletrônicas mais saudáveis e conscientes no Brasil.

Bibliografia

GRINOVER, Ada Pelegrini, VASCONCELLOS E BENJAMIN, Antonio Hernam e outros – Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. São Paulo: Forense Universitária, 8ª edição, 2004.

OPICE BLUM, Renato (coordenador) – Direito Eletrônico – A Internet e os 
Tribunais. São Paulo: Edipro, 2001.

OPICE BLUM, Renato; BRUNO, Marcos Gomes da Silva; ABRUSIO, Juliana Canha (coordenadores) – Manual de Direito Eletrônico e Internet. São Paulo: Lex e Aduaneiras, 2006.

PINHEIRO, Patrícia Peck – Direito Digital. São Paulo: Saraiva, 2ª edição, 2007.

SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho – Cláusulas Abusivas no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004.

TORQUATO, Cid (coordenador) – E- Dicas, Dervitualizando a Nova Economia. São Paulo: Usina do Livro, 2002.

Flora & Camargo – Advogados Associados
© 2018, Flora & Camargo Advogados