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A Reforma Trabalhista em Face da Medida Provisória n.º 808, de 14 de Novembro de 2017

dez052017

Após a promulgação da Lei n.º 13.467/2017, no dia 13 de julho de 2017, muito se comentou sobre ajustes necessários no texto aprovado pelo Senado Federal. Na oportunidade, divulgou-se, antes mesmo da votação definitiva na Casa Revisora, que havia um acordo para que o texto em questão fosse aprovado em sua íntegra, evitando, em caso de modificações, seu retorno à Casa Iniciadora, a Câmara dos Deputados[1].

Ademais, especulou-se após a promulgação da denominada Reforma Trabalhista, nome dado à lei em questão, a qual alterou a Consolidação das Leis do Trabalho em mais de cem artigos, sobre pontos que seriam abordados na Medida Provisória em questão. Dentre eles, o mais polêmico seria a restauração da compulsoriedade do recolhimento da Contribuição Sindical, cuja natureza jurídica de tributo veio a ser alterada pela lei em voga. Segundo especialistas, tecnicamente falando, um tamanho retrocesso, afinal, a lei veio a elevar as negociações coletivas em patamares superiores à lei posta, o chamado “negociado sobre o legislado”, extraindo a receita constitucionalmente consagrada às entidades sindicais para efetivarem seu papel representativo. Nesse diapasão, questionamentos pairam também sobre a utilização da lei ordinária como veículo legislativo capaz de almejar tal fim, pois, conforme anteriormente dito, trata-se de uma contribuição de natureza “parafiscal”.

Contudo, outro ponto polêmico trazido pelo texto da lei refere-se ao trabalho de gestantes e lactantes em local insalubre. Tal afastamento, segundo a lei, deveria ocorrer apenas quando o local configurasse patamares médio ou mínimo, apenas mediante comprovação por atestado de saúde demonstrando eventual potencial danoso à gestação.  Situações como a contratação de autônomo sem a caracterização de vínculo empregatício também estariam na pauta.

Ainda em relação às formas de contratação encontra-se o contrato de trabalho denominado “Trabalho Intermitente”. Tal instituto, assim definido como uma modalidade de contrato por prazo indeterminado sem definição da jornada de trabalho, cuja empresa deverá convocar o trabalhador em prazo legalmente estipulado e esse poderá realizar seu efetivo aceite ou ponderar por sua recusa, e sua efetiva remuneração estabelecendo-se por hora de trabalho, respeitando os patamares do salário mínimo vigente, ou o piso estabelecido em norma coletiva da categoria, encontrava-se encabeçando os itens polêmicos de suposta futura abordagem.

Feita a contextualização inicial, no último dia 14 de novembro, ou seja, três dias após a entrada em vigor da lei, o Poder Executivo cumpriu a parte que lhe caberia no suposto acordo e editou a Medida Provisória de número 808.  Tendo em vista a natureza jurídica deste veículo legislativo, o qual deverá ser editado em caso de necessidade e urgência, com vigência imediata por sessenta dias prorrogáveis por igual período, esse veio alterar a lei nos seguintes pontos, os quais passa-se a expor:

1 – Jornada de trabalho de 12 horas seguidas por 36 horas ininterruptas de descanso (CLT, art. 59-A).

Regra inicial: Poderia ser pactuada por acordo individual, sem distinção de categoria.

Regra atual: Passa-se agora a ser pactuada apenas mediante Negociação Coletiva, salvo para o setor de saúde, que poderá estabelecer a jornada em questão por intermédio de acordo individual.

2 – Dano Extrapatrimonial ou Moral (CLT, art. 223-G).

Regra inicial: Para computo do valor indenizável em caso de caracterização do dano moral, utilizava-se como parâmetro o último salário contratual do ofendido, dependendo do grau de ofensa, estipulado como de natureza leve, média, grave ou gravíssima.

Regra atual: Agora, utiliza-se o valor limite máximo dos benefícios da Previdência Social, atualmente em R$ 5.531,31 (cinco mil, quinhentos e trinta e um reais e trinta e um centavos), nos seguintes patamares: Infrações de natureza leve (3 vezes o valor em destaque); natureza média (5 vezes o valor em destaque); natureza grave (20 vezes o valor em destaque); natureza gravíssima (50 vezes o valor em destaque).

3 – Grávidas e lactantes em locais insalubre (CLT, art. 394-A).

Regra inicial: Afastamento quando o local configurasse patamares médio ou mínimo, apenas mediante comprovação por atestado de saúde emitido por médico de confiança da mulher recomendando o afastamento durante a gestação.

Regra atual: Poderá trabalhar caso, voluntariamente, apresente atestado médico. Logo, a regra prevê o afastamento, deixando a cargo da trabalhadora o interesse em efetivar a prestação de serviços, mediante apresentação de atestado médico. Já as lactantes serão afastadas de local insalubre em qualquer grau, também mediante apresentação de atestado médico.

4 – Contratação de autônomo (CLT, art. 442-B).

Regra inicial: Previa a contratação de trabalho autônomo “com ou sem exclusividade”, de forma contínua ou não, afastando, em ambos os casos, a qualidade de empregado prevista no art. 3o  da CLT.

Regra atual: Veda a celebração de cláusula de exclusividade no contrato, para não caracterizar vínculo empregatício.

5 – Trabalho Intermitente – (CLT, art. 452-A e seguintes).

Regra inicial – Previa o instituto, porém, sem regulamentar pontos importantes como os elementos para composição do pacto, forma de pagamento, cálculo de verbas, dentre outras.

Regra atual – Prevê a regulamentação do contrato, com a inserção dos elementos que deverão compô-lo, seus respectivos efeitos, pagamento, rescisão, forma de convocação e eventual recusa por parte do trabalhador. Cabe ressaltar também que até 2020, contratados por prazo indeterminado não poderão ser recontratados pelo mesmo empregador em modalidade intermitente, salvo após período de 18 meses.

6 – O que integra ou não integra o salário (CLT, art. 457)

Regra inicial – As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.

Regra atual – Ajuda de custo passa a ser limitada a 50% da remuneração mensal. Exclui instituto do abono como condição de não integrar a remuneração. Ademais, permanece no texto que a gorjeta não constitui receita própria dos empregadores, destinando-se aos trabalhadores e será distribuída segundo critérios definidos em acordo ou convenção coletiva de trabalho.

7 – Comissão de representantes dos empregados (CLT, art. 510-E).

Regra inicial: Mediante interpretação literal do texto, havia, na visão de parte dos operadores do direito, o choque dessa comissão com a função efetiva das entidades sindicais de natureza laboral.

Regra atual: Insere-se no texto que a comissão em questão não substitui a função do sindicato em defender os direitos e os interesses individuais ou coletivos da categoria.

8 – Prevalência do Negociado sobre o Legislado (CLT, 611-A)

Regra inicial: O caput do artigo previa a seguinte redação: “A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre”. Em seus incisos previa: enquadramento do grau de insalubridade; prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho (XII e XIII). Já no parágrafo quinto ponderava que os sindicatos subscritores de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho deverão participar, como litisconsortes necessários, em ação individual ou coletiva, que tenha como objeto a anulação de cláusulas desses instrumentos.”

Regra atual: Altera o caput do artigo – “A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho, observados os incisos III e VI do caput do artigo 8º da Constituição, têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre”. Já no que tange o enquadramento do grau de insalubridade e prorrogação de jornada em locais insalubres, inclui a possibilidade de contratação de perícia, afasta a licença prévia do Ministério do Trabalho, desde que respeitadas as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho. Em relação ao parágrafo quinto, houve a substituição do item  “deverão participar” como litisconsortes necessários para a palavra “participarão”, apenas em ações coletivas, suprimindo-se as “ações individuais”.

9 – Recolhimento Previdenciário – Remuneração inferior ao valor do salário Mínimo.

Regra inicial: Não havia previsão. Necessidade de regulamentação em face do Trabalho Intermitente, onde empregado que não percebe remuneração igual ou superior ao valor do salário mínimo, porém, goza das prerrogativas de segurado.

Regra atual: Os segurados enquadrados como empregados que, no somatório de remunerações auferidas de um ou mais empregadores no período de um mês, independentemente do tipo de contrato de trabalho, receberem remuneração inferior ao salário mínimo mensal, poderão recolher ao Regime Geral de Previdência Social a diferença entre a remuneração recebida e o valor do salário mínimo mensal, em que incidirá a mesma alíquota aplicada à contribuição do trabalhador retida pelo empregador.

10 – Comprovante de recolhimento do FGTS e demais Contribuições Previdenciárias.

Regra inicial: Controle efetivo do trabalhador via saldo da conta vinculada do FGTS, mediante extrato da conta utilizando-se do Cartão do Cidadão ou aplicativo fornecido pela Caixa. Já em relação ao recolhimento previdenciário, acesso via internet através de loguin e senha, no portal da Receita Federal do Brasil.

Regra atual: O empregador efetuará o recolhimento das contribuições previdenciárias próprias e do trabalhador e o depósito do FGTS com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações. (CLT, art. 911-A).

Postos os pontos de alteração, o que mais se acentua, dado seu caráter interpretativo e efetiva segurança jurídica, refere-se a aplicação de lei no tempo. Sem dispositivo inicial no texto da Reforma, optou o Executivo, por trazer, de forma expressa na Medida Provisória, que o disposto na Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, se aplica, na integralidade, aos contratos de trabalho vigentes.

Ademais, observa-se que a matéria “contribuição sindical” não foi abarcada no texto da Medida, prevalecendo, então, as disposições iniciais que dispensam tal recolhimento obrigatório. Todavia, vale ressaltar que foram propostas ações diretas de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal questionando a validade dos dispositivos da lei que alteraram a natureza da citada contribuição (ADI´S 5794, 5806, 5810, 5811 e 5815). Ainda no bojo da Medida Provisória, encontram-se também sob questionamento no STF, o denominado Trabalho Intermitente (mérito também da ADI 5806), sob a argumentação de precarização das relações de trabalho, bem como a função da comissão de trabalhadores, a qual, na visão dos autores, mitiga o princípio da Unicidade Sindical, consagrado pela Constituição Federal (mérito também da ADI 5810).

Conforme visto, excetuando-se a contribuição sindical, tanto o Trabalho Intermitente quanto a função da comissão dos trabalhadores vieram a ser abarcados no texto da Medida Provisória. Sendo assim, uma indagação faz-se plenamente necessária: a atitude do Poder Executivo em editar determinada Medida Provisória para ajuste de pontos efetivos da lei após a sua vigência, vai ao encontro do alcance da segurança jurídica, um dos pilares de sustentação para a aprovação da referida Reforma? Com a resposta, o Poder Executivo.

[1] Valor Econômico – Eunicio cobra de Temer MP para ajustar reforma trabalhista, em 14.11.2017. Disponível em http://www.valor.com.br/politica/5193767/eunicio-cobra-de-temer-mp-para-ajustar-reforma-trabalhista. Acesso em 03.12.2017.

 

Elaine Cristina De Souza – Auxiliar Administrativo / Secretária

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